segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Crise nas cadeias


Albari Rosa/Gazeta do Povo / Os presídios brasileiros não respeitam a legislação que prevê celas individuais com 6 metros quadrados de tamanho. A superlotação virou cena comum nas cadeias Os presídios brasileiros não respeitam a legislação que prevê celas individuais com 6 metros quadrados de tamanho. A superlotação virou cena comum nas cadeias
superlotação

Vagas não crescem na mesma proporção de presos

Investimentos do governo são insuficientes para mudar o panorama das prisões paranaenses

Publicado em 25/01/2010 | Vinicius Boreki e Guilherme Voitch

Embora o número de vagas em penitenciárias paranaenses tenha dobrado entre 2003 e 2009, o sistema carcerário do estado segue lotado e continua a sobrecarregar os distritos policiais dos municípios. A principal prova do esgotamento aconteceu na semana passada, quando a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (Seju) cogitou a reativação da Penitenciária Provisória de Curitiba (PPC), o antigo presídio do Ahú, para abrigar 408 presos, en­­quanto é executada a reforma das galerias da Penitenciária Central do Estado (PCE), destruídas após a rebelião dos dias 14 e 15. A necessidade de uso de um presídio desativado há três anos se deve à lotação das demais unidades prisionais.

Em 2003, início da gestão do governador Roberto Requião (PMDB), havia 6,5 mil vagas em penitenciárias. Ao fim de 2009, o número saltou para 14,5 mil. Até o fim deste ano, o governo promete inaugurar outros dois estabelecimentos: o Centro de Detenção e Ressocialização de Cruzeiro do Oeste e a Penitenciária de Regime Semiaberto de Maringá, criando novas 1,3 mil vagas. No mesmo período, outros cinco presídios foram reformados, e a PCE também passaria por recuperação, mas o motim dos presos eclodiu antes disso. Os investimentos, no entanto, foram insuficientes para mudar o panorama das penitenciárias.

Condições mínimas

Cadeias não respeitam recomendações da ONU

A Organização das Nações Unidas e as diretrizes para a construção de presídios recomendam unidades com menos de 800 vagas. Na gestão de Requião, 7 dos 11 presídios construídos (excluindo as unidades de regime aberto) operam acima dessa capacidade. “Quanto maior o número de presos, mais difícil é a administração prisional. Demanda maior número de agentes e, em geral, o estado não tem servidores suficientes”, explica Marcos Rolim, professor do Instituto Porto Alegre e Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. “Degrada o atendimento ao preso, pois a higiene tende a decair, assim como a qualidade da comida”, completa.

Tendência

O que ocorre no Paraná se repete no Brasil. O país, aliás, apresenta a tendência de encarceramento em massa. Em regime fechado, é ideal não ultrapassar 900 detentos, na avaliação de Maurício Kuehne, professor de Direito Penal do Centro Universitário Curitiba e ex-diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). “Uma grande concentração de presos é indicativo de que problemas podem ocorrer. Nos estabelecimentos com mais de 900 encarcerados geralmente acontecem as rebeliões”, afirma.

O descumprimento da lei não está apenas na construção dos presídios. Segundo a legislação, cada detento deveria ter cela individual e área mínima de 6 metros quadrados.

“Os projetos de penitenciárias, porém, planejam celas com triliches ou quadriliches, degradando a execução penal”, diz Rolim. (VB e GV)

Ressocialização

Falta incentivo aos egressos para conseguir emprego

Por que quem cumpre pena geralmente volta a praticar crimes? Complexa, a resposta da questão passa pelo comportamento e pelo preconceito de toda a sociedade. O estigma de cometer um delito acompanha o ex-detento por toda a vida e geralmente chega ao ouvido dos futuros patrões, inviabilizando a possibilidade de trabalho. E a falta de oportunidades reserva basicamente uma única opção ao ex-presidiário: voltar a infringir a lei. “É como se a sociedade o empurrasse novamente para o mundo do crime”, opina Marcos Rolim. Por isso, as empresas e o governo precisam incentivar a criação de oportunidades de trabalho para os egressos.

Aposta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a ressocialização de presos, o Projeto Começar de Novo ainda não ofereceu nenhuma vaga no Paraná.

Perspectivas

“A educação e a assistência ao egresso precisam ser bem trabalhadas dentro dos presídios. É preciso oferecer perspectiva de futuro ao preso”, afirma Maurício Kuehne, ex-diretor do Depen. Segundo Kuehne, o Paraná, nesse aspecto, está acima da média na questão de educação e de trabalho ao preso durante a estadia nas cadeias. Para Rolim, é preciso haver parceria entre governo e iniciativa privada para solucionar essa questão.

Caso contrário, as penitenciárias também vão seguir inchadas de reincidentes. (VB e GV)

Dados do Ministério da Justiça (MJ) explicam o motivo da lotação das penitenciárias, apesar do avanço. Em dezembro de 2006, o Paraná tinha 18,1 mil detentos, sendo 9,4 mil no sistema penitenciário e 8,7 mil nas delegacias. Em junho de 2009, o número total saltou para 27,2 mil: 13,1 mil em distritos policiais e 14,1 mil nos presídios. Ou seja, em três anos, o índice de encarcerados, tanto em delegacias quanto em prisões, cresceu 50% no estado. As vagas nas penitenciárias não conseguiram absorver os detentos das delegacias.

Números opostos ao do Brasil, conforme o ministério. O crescimento de presos em território nacional no mesmo período subiu de forma praticamente irrelevante: de 447,8 mil, em 2006, para 449,9 mil, em junho de 2009. Na média nacional, apenas 14% do total de presos estão nas delegacias.

Para especialistas, apesar da diferença entre o país e o estado, a realidade do Paraná se repete em outros lugares. “É necessário observar o quadro como um todo e com cautela. Há estados que não informaram corretamente o número de presos, o que causa discrepância”, afirma o professor de Direito Penal do Centro Universi­tário Curitiba e ex-diretor do De­­par­­­ta­mento Penitenciário Na­­cional (Depen) Maurício Kuehne. Professor titular de Processo Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Jacinto Nelson de Miranda Coutinho considera o aumento de detentos consequência do crescimento populacional. “Aumenta a população, sobem os crimes e as condenações”, diz.

O déficit histórico de vagas no sistema penitenciário se transforma em outro fator a ser vencido pelos próximos governantes. “O governo Requião já herdou esse problema. Está matematicamente comprovado: os investimentos no sistema carcerário não acompanham o crescimento da criminalidade. É um aspecto crônico e histórico do estado”, afirma Kuehne. A crise penitenciária evidenciada com a rebelião da PCE já existia nas décadas de 1970 e de 1980, na avaliação de Miranda Coutinho. “A defasagem é muito grande. Mesmo que se construam inúmeros presídios, o número de vagas vai estar abaixo da necessidade”, diz.

A lógica acaba se refletindo também na estrutura de pessoal que lida com os detentos. Re­­solu­­ção do Conselho Nacional de Políti­­ca Criminal e Penitenciária determina que para cada grupo de 500 presos exista um médico, um en­­fermeiro, um dentista e um advogado. Dados do InfoPen, no entanto, mostram que a proporção não é seguida: 36 médicos atuam no sistema carcerário para 23.263 presos (contando com os detentos do regime aberto que também têm direito de receberem assistência do sistema prisional). Um único mé­­dico, portanto, é responsável por 646 presos. Cada advogado público é responsável por 1.118 detentos; cada dentista, por 1.368; e cada enfermeiro, por 1.292.

A reportagem da Gazeta do Povo tentou contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Justiça na quinta-feira e na sexta-feira, mas não obteve retorno.

Reforma

Criado na década de 1940, o Código Penal em vigor no Brasil é considerado defasado por Miranda Cou­tinho e Marcos Rolim, professor do Instituto Porto Alegre e Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. A rigor, conforme a legislação, praticamente todos os tipos de crimes são punidos com prisão. Na opinião dos dois professores, uma reforma da lei poderia auxiliar no controle da questão penitenciária. “É me­­lhor evitar que as pessoas precisem ir à cadeia. Como, em geral, elas não oferecem boas condições, deixam de cumprir sua finalidade. Não raro, o sujeito chega como la­­drão e sai como homicida”, diz Coutinho. “Só que, no meio desse processo, alguém vai se transformar em vítima inocente”, acrescenta.

No país, já existe esforço para aplicar e conscientizar sobre a importância e necessidade das penas alternativas, mas, ainda assim, continuam sendo a exceção. “Precisamos saber, de fato, quem devemos prender. As prisões deveriam estar reservadas para as pessoas consideradas perigosas, como o homicida ou quem comete crime sexual”, afirma Rolim. Isso, contudo, não acontece. Os crimes de menor gravidade, inclusive contra o patrimônio, são punidos com prisão, havendo grande mistura entre os detentos. Com isso, as penitenciárias se tornam as verdadeiras escolas do crime. “A punição precisa tocar o sujeito de uma maneira que ele não tenha vontade de cometer crimes”, diz Coutinho.

GAZETA DO POVO 25/01 às 07:32h


Um comentário: