domingo, 23 de agosto de 2009

20 anos sem o maluco beleza




O baiano Raul Seixas, autor de clássicos do rock nacional, morreu em 21 de agosto de 1989. Para seus fãs, ele continua vivo.

"Eu prefiro ser, essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo". Quem é que nunca ouvi esses versos? Para quem (ainda) não sabe, trata-se da música Metamorfose ambulante, de autoria de um dos maiores representantes do rock brasileiro: Raul Seixas. Vinte anos após sua morte, a memória do eterno "maluco beleza" continua viva graças aos seus fãs. A mais nova homenagem ao músico baiano, que morreu no dia 21 de agosto de 1989, é o livro Raul Seixas -metamorfose ambulante, escrito por Mário Lucena, Igor Zinza e Laura Kohan, com coordenação de Sylvio Passos, presidente do fã-clube do "Raulzito".

De acordo com um dos escritores, Mário Lucena, a ideia para o livro surgiu em 2002, quando Lucena preparava uma monografia para o curso de psicologia, da universidade Mackenzie. "Quando decidi usar esse tema, entrei em contato com o Passos para poder ter acesso ao "baú do Raul'. A primeira parte desse trabalho foi usado na monografia, mas vi que o material tinha um grande potencial, pois haviam muitas coisas que mesmo os fãs mais radicais não conheciam, como, por exemplo, o seu fascínio pelo filósofo niilista alemão Arthur Schopenhauer", explica. É justamente essa adoração por Schopenhauer que é o grande atrativo do livro. "Ele já cita o filósofo em 1968, na música Trem 103. Ou seja, o consciente de voltar por onde vim, do tudo acaba onde começou. Uma canção conhecida dele que é bem calcada nesse pensamento é Mosca na sopa, que mostra que a mosca que te incomoda nesse verão e a que virar a importunar no próximo verão, é a mesma mosca. A certeza absoluta dessa paixão pela obra de Schopenhauer veio por meio da música Nuit, em que ele pega um trecho do livro As dores do mundo ("Quão longa é a noite do tempo sem limites, comparada ao sonho curti da vida'). Percebe-se então sua obsessão pelo filósofo", revela.

Outra personalidade que o escritor afirma ter influenciado, ainda que em menor escala, o trabalho de Raul Seixas foi do ocultista britânico Edward Alexander Crowley, conhecido como Aleister Crowley. "De Crowley, Raul elevou a proposta místico-liberal, ainda que mostramos um lado um pouco diferente do que as pessoas estão acostumadas sobre o seu fascínio pelo britânico. Ele bebeu da fonte do Thelema, em que um dos enunciados diz "faz o que tu queres, há de ser tudo da lei' (trecho presente na música Sociedade alternativa). Ainda que no que tange na questão da liberação sexual, Raul não demonstrava ter afinidade com esse assunto, deixando isso mais a cargo de seus parceiros, como, por exemplo, Paulo Coelho", informa.

Dessa aproximação com o legado de Crowley surgiu o álbum Sociedade alternativa, no ano de 1974. Lucena diz que Raul teve diversos problemas com a ditadura brasileira por conta disso. "Por divulgar a Sociedade alternativa, Raul Seixas foi preso e torturado pelo temível Departamento de Ordem Política e Social (Dops).

Posteriormente, ele acaba se exilando nos Estados Unidos, voltando alguns anos depois", conta. Contudo, esse não fora o único problema de Seixas com a ditadura. "Anos mais tarde, quando ele foi gravar Caubói fora da lei, a censura não permitiu o verso inicial, que originalmente era "Mamãe não quero ser presidente, pode ser que eu seja eleito, mas alguém pode querer me assassinar'. A música só teve o sinal verde quando ele trocou o presidente por prefeito", lembra.

Para o autor, o trabalho vai além de ser um mero livro sobre Raul Seixas. "Fizemos uma extensiva pesquisa na vida do maluco beleza. Ele é uma leitura agradável, com diversas passagens engraçadas de sua vida. Deixamos de lado as imagens para nos concentrar no texto, mostrar diversos detalhes dele e seus parceiros, entre outras coisas. É praticamente uma bíblia sobre o Raul", diverte-se.

O livro acaba de ser lançado e será vendido somente nas bancas, ao preço de R$ 29,90. O livro, além de suas revelações bombásticas, traz como brinde o CD Alquimia, com 14 músicas da cantora portuguesa Carina Freitas, psiquiatra de adolescentes, que se apaixonou pelas letras e pelo som de Raul Seixas. Gravou Canção para minha morte, escreveu Alquimia, segredo guardado em homenagem ao Raul, e a música se tornou tema de novela em Portugal.

Algumas revelações do livro:

- A metamorfose ocorre com a leitura do filósofo niilista Schopenhauer.
- Em 1968 citou Schopenhauer na composição Trem 103: Consciente de voltar por onde vim. O trem, a composição, veículo da morte-renascimento, torna-se presença constante na sua obra. Aparece com destaque em 1973 (A hora do trem passar) e em 1974 (Trem das sete). Em 1989, ano de sua morte, Raul expressou o desejo de mudar a direção do trem (Carpinteiro do universo).
- Em alguns momentos citou Protágoras, Sócrates, Platão, Sartre, mas suas principais fontes foram o hermético Crowley e o pessimista Schopenhauer.
- De Crowley, Raul abstraiu a proposta místico-liberal. Levou-a ao público a partir de 1974 como Sociedade alternativa. Mesmo sem a benção da censura, recitava os versos da Lei de Thelema ou Lei da Vontade (de Crowley e Schopenhauer) em meio ao refrão da Sociedade.
- Mosca na sopa é Schopenhauer ("Se a mosca, que agora zumbe em torno de mim, morre à noite, e na primavera zumbe outra mosca nascida do seu ovo, isso é em si a mesma coisa'), mas para não deixar dúvida sobre sua fonte mais rica, em 1983 pegou do filósofo um trecho do capítulo Morte - do livro Dores do Mundo - para usar em Nuit: ("Quão longa é a noite do tempo sem limites, comparada ao curto sonho da vida').


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