terça-feira, 18 de agosto de 2009

No Paraná, regra do poder público é não fazer licitaçã



Levantamento do TC mostra que 68% dos contratos de prefeituras, câmaras e autarquias são firmados com dispensa ou inexigibilidade de processo licitatório

Publicado em 18/08/2009 | Gabriel Azevedo, especial para Gazeta do Povo, e Euclides Lucas Garcia

Um balanço de licitações feito pelo Tribunal de Contas do Estado (TC-PR) revela que 68% dos contratos de obras, compras e serviços firmados pelas prefeituras, câmaras municipais e autarquias do Paraná em 2008 foram feitos sem a utilização de nenhuma das seis modalidades de licitação existentes no país. Dos 40.147 contratos firmados no ano passado, 24.321 foram realizados por meio de dispensa de licitação e 3.128, por intermédio de inexigibilidade de concorrência. As duas modalidades juntas somaram 27.499 contratos em todo o Paraná.

De acordo com a Lei Federal n.º 8.666, de 1993, a licitação deve ser regra quando se trata do poder público. Porém, como quase todas as regras apresentam exceções, a de licitações não é diferente. A legislação brasileira permite dispensar a concorrência pública em situações consideradas excepcionais. Na maioria delas, as dispensas ocorrem quando o valor do contrato é menor que o mínimo previsto na lei para a realização de uma licitação: R$ 8 mil para serviços e compras e R$ 15 mil para obras.

Concorrências serão divulgadas na internet

O Tribunal de Contas do Estado vai divulgar na internet informações de todas as concorrências em andamento nos 399 municípios do Paraná. Além dos processos licitatórios, também será possível conferir a lista de todas as empresas e pessoas físicas impedidas de participar de licitações.

Prefeituras, câmaras, autarquias, fundações, empresas de economia mista e instituições da administração pública direta e indireta terão de enviar informações obedecendo a prazos determinados. Para as modalidades convite, tomada de preços, concorrência, concurso, leilão e pregões presencial e eletrônico, os dados da licitação devem ser cadastrados pelo menos sete dias úteis antes da abertura das propostas. Nos casos de dispensa ou inexigibilidade de concorrência, o limite é de até cinco dias consecutivos após a comprovação de que a modalidade licitatória é a adequada.

Para precisar dados e dar confiabilidade às informações, os gestores deverão informar, até cinco dias após o encerramento de cada mês, o número de procedimentos licitatórios realizados no mês anterior, inclusive os que foram cancelados. Mesmo que os processos sejam concluídos, os dados dos contratos e concorrências ficarão disponíveis para consulta na internet até o encerramento do exercício financeiro posterior ao da lei que autorizou o respectivo crédito orçamentário.

No caso dos inidôneos – fornecedores que descumprem obrigações ou cometem irregularidades nas licitações e contratos com a administração pública – o TC divulgará uma lista contendo o município e a autoridade declarantes da irregularidade; o órgão licitante; o fornecedor impedido; os processos de licitação e da sanção; o ato que declarou inidôneo ou suspendeu a empresa e a data em que foi publicado; o veículo utilizado para divulgação; e o período de vigência da penalidade. Os servidores responsáveis pelas licitações e contratos das instituições municipais ficarão responsáveis por informar a sanção administrativa contra o fornecedor. A divulgação das listas de licitações e de inidôneos depende apenas da aprovação de uma instrução normativa, que regulamentará o funcionamento do sistema. (GA)

A licitação também pode ser considerada inexigível quando não houver possibilidade de concorrência. Ou seja, quando o produto, serviço ou obra só puder ser fornecido ou executado por uma única empresa ou profissional.

Críticas

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo criticaram o alto índice de dispensas e inexigibilidades de concorrência verificado nos órgãos públicos paranaenses. De acordo com o advogado Rodrigo Pironti, professor de Direito Administrativo, a licitação é uma regra prevista em lei para que a administração pública consiga as propostas mais vantajosas. Para ele, apesar de também serem consideradas legais, a dispensa e a inexigibilidade devem ocorrer em casos específicos e não atingir índices perto de 70%, como no Paraná.

“Não é razoável nem proporcional que mais de dois terços das contratações sejam dessa forma”, afirma o advogado. “Sem competição, não há qualquer benefício para o interesse público.” Pironti diz ainda que os números apontam que a administração pública não tem como hábito nem como regra licitar, caracterizando um desvio de conduta por parte dos gestores.

Outro problema ainda mais grave, segundo ele, é a possibilidade de fraudes. Como a maioria das dispensas envolve valores relativamente baixos, Pironti argumenta que os administradores realizam o fracionamento dos gastos. “Em vez de licitar R$ 150 mil para compra de equipamentos de informática, por exemplo, o poder público compra R$ 8 mil de monitores, R$ 8 mil de teclados e assim por diante”, explica. “Dessa forma, é possível direcionar a licitação, utilizando-se a dispensa.”

Para o advogado Egon Bock­­mann Moreira, especialista em licitações, os dados do TC revelam a necessidade de se apurar melhor as dispensas. “A dispensa de licitação não pode ser a regra. A dispensa é a exceção. A regra é licitar, é promover concorrência pelas modalidades previstas”, diz ele. “A partir do momento em que a exceção passa a suplantar a regra, tem alguma coisa errada. Ou a lei está equivocada – e esse é um pressuposto do qual não podemos partir – ou a conduta do administrador está errada.”

O cientista político Ricardo Oliveira, da UFPR, defende que a moralidade e a impessoalidade sempre devem prevalecer nos casos que envolvam despesas públicas. Para ele, é preciso aperfeiçoar instrumentos disponíveis para aprofundar o controle dos gastos. “Muitas vezes é possível realizar a licitação, mas não há vontade política para isso”, afirma. “Dispensas são necessárias em casos de extrema urgência e não para gastos de rotina, como vemos hoje.”

Outras modalidades

Apesar de as demais modalidades de licitação serem menos utilizadas no poder público pa­­­ranaense em relação à dispensa e inexigibilidade, nos últimos quatro anos houve um crescimento geral no uso de todas as formas de contratar serviços e obras e fazer compras. Con­­corrência, pregão, leilão, convite e tomada de preços cresceram pelo menos 50% no período. A exceção foram os concursos, cuja utilização pelo poder público permaneceu estável em quatro anos.

O número de concorrências públicas feitas pelos órgãos públicos do estado saltou de 9.417 para 40.147. Já o pregão foi a modalidade que mais cresceu – enquanto em 2005 foram feitos 307 pregões, em 2008 o número saltou para 5.904.

GAZETA DO POVO

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