domingo, 18 de outubro de 2009

PLDO 2009 e as Políticas para as Mulheres e de Promoção da Igualdade

Veja a análise completa do texto encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional. Essa é a primeira Lei de Diretrizes Orçamentárias, elaborada no escopo do Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 e do II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.



O orçamento federal de 2008 mal começou a ser executado e os poderes Executivo e Legislativo já iniciaram os debates para o orçamento de 2009. O primeiro passo nessa direção foi o envio pelo governo ao Congresso Nacional do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2009 no dia 15 de abril. A análise da proposta aponta ganhos em relação ao texto apresentado no ano passado. As nove emendas sugeridas pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) e aprovadas durante a tramitação da LDO 2008 já foram incorporadas à proposta para 2009. O texto deve ser aprovado até 17 de julho para ser sancionado pelo presidente da República.

Dentre as peças que compõem o Ciclo Orçamentário da União está a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Ela define, de acordo com a Constituição Federal, as prioridades de gasto público para o próximo exercício, orienta a elaboração da Lei Orçamentária Anual, dispõe sobre as alterações na legislação tributária e na política de pessoal, dentre outros aspectos. Com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF (Lei Complementar 101/2000) a LDO passou a trazer, também, os dados relativos à situação fiscal do país.

O projeto da LDO 2009, encaminhado ao Congresso Nacional em Abril, traz uma grande expectativa em sua apreciação. Esta é a primeira LDO que atende ao ciclo de planejamento do PPA 2008-20111 que pautou, dentre os seus objetivos estratégicos, “fortalecer a democracia, com igualdade de gênero, raça e etnia e a cidadania com transparência, diálogo social e garantia dos direitos humanos”. Trata-se, portanto, de um objetivo que deverá ser contemplado nas demais peças orçamentárias pelos próximos quatro anos.

Outro aspecto importante para a análise do PLDO 2009 diz respeito ao II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Elaborado pela primeira vez em 2004, o PNPM está em sua segunda versão. O documento deriva de uma série de conferências de mulheres nos âmbitos nacional, estadual e municipal, e explicita onze áreas de atuação para a efetivação da cidadania e direitos das mulheres.

O II PNPM foi divulgado depois da elaboração do PPA 2008-2011 pelo governo federal, razão pela qual há grande expectativa para identificar como estará contemplado no orçamento público. Para o período 2008-2011, o II PNPM prevê um total de 394 ações. De acordo com o próprio documento, há uma preocupação em articular o II PNPM com o PPA 2008-2011, de forma que suas ações encontrem correspondência com aquelas detalhadas no Plano Plurianual vigente. Dessa forma, garante-se a gestão e o monitoramento do cumprimento dos compromissos expressos pelo governo com a promoção da igualdade de gênero e autonomia das mulheres.

Por isso, é imperativo que os movimentos sociais atuem no sentido de defender e garantir que as políticas públicas atendam às demandas por mais justiça, igualdade social e promoção dos direitos humanos. É preciso pressionar para que a política econômica não tenha um impacto negativo na consecução desses objetivos, lutando para que sejam garantidas a participação e transparência nos processos de elaboração, discussão e aplicação do orçamento, com vistas a uma sociedade mais justa e igualitária.

O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) é uma das organizações não-governamentais que luta de forma autônoma e suprapartidária, há quase 20 anos, pela cidadania das mulheres e igualdade de gênero. Buscando a implementação dos direitos que foram consolidados na Constituição Federal de 19882, o CFEMEA incorporou a análise orçamentária na sua agenda de atuação política por meio do Orçamento Mulher3. Esse instrumento tornou possível o monitoramento do orçamento público com o objetivo de subsidiar os movimentos de mulheres, negro e feminista na incidência política por uma melhor alocação de recursos nas políticas públicas.

A atuação do CFEMEA visa à implementação de políticas econômicas socialmente justas, assegurar que os processos de elaboração do orçamento sejam transparentes, democráticos e participativos e que sejam asseguradas a incorporação da perspectiva da igualdade de gênero e raça nas políticas públicas em busca de uma sociedade mais justa e igualitária e a prioridade dos gastos públicos dirigidos às mulheres.

Ciente da importância de continuar incidindo politicamente na luta por uma distribuição mais justa de recursos públicos, o CFEMEA apresenta sua análise do PLDO 2009, para subsidiar a discussão e a apresentação das emendas a essa lei orçamentária.

Cenário macroeconômico

Na mensagem enviada ao Congresso Nacional, o governo apresenta o cenário macroeconômico que embasa as diretrizes por ele apontadas ao longo do PLDO. Para 2009, o governo prevê o aumento do investimento público, principalmente devido ao PAC - Plano de Aceleração do Crescimento, que engloba os programas do PPI - Projeto Piloto de Investimentos (ações prioritárias na área de infra-estrutura, principalmente no setor de transportes). O art. 4º do PLDO 2009 garante, a essas ações, prioridade na alocação dos recursos públicos no Projeto e na Lei Orçamentária de 2009.

Tais investimentos serão ampliados até o ponto em que não afetem o pagamento dos serviços da dívida pública, já que o governo permanece comprometido com a sua sustentabilidade e a manutenção da sua trajetória de queda como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Mas como ficam as políticas sociais nessa agenda do governo? Qual o impacto dessas medidas no investimento em políticas sociais estruturantes que combatem as desigualdades sociais? Isso é o que vamos discutir adiante.

O governo prevê um crescimento real do PIB de 5,0% ao ano até 2011, com uma taxa de inflação, medida pelo IPCA/ IBGE, de 4,5% ao ano no mesmo período. Também é prevista uma diminuição gradual da taxa básica de juros (taxa SELIC) no período e desvalorização da taxa de câmbio. Será um grande desafio manter essas taxas, devido à pressão do mercado imobiliário e de crédito dos Estados Unidos, à instabilidade do preço do petróleo e à recém-alardeada crise na produção de alimentos. Esses elementos acarretam fuga de capitais, gerando um aumento da demanda interna, que pode impactar na inflação e na taxa de juros interna do país (taxa SELIC). Essa fuga também pode ter repercussões negativas sobre o câmbio e o investimento, a entrada de capitais no Brasil, e pressionar um déficit da balança comercial.

A meta de Superávit Primário para o setor público consolidado, que é a economia que o governo faz para pagar juros e especialmente para assegurar a capacidade de pagamento de toda a dívida, é mantida em 3,80% do PIB. A maior parte dessa economia, cerca de R$ 88,7 bilhões (2,85%), cabe ao Governo Federal (incluindo as empresas estatais). O restante deverá ser arcado por estados e municípios. Contudo, o governo federal sinalizou no PLDO 2009 que, mesmo que os âmbitos estaduais e municipais não atinjam a meta prevista, esta será compensada pela União, de forma a atingir a meta global de 3,80%.

Este ano, assim como no ano passado, como já apontado pelo CFEMEA, da meta global de 3,80%, a maior parte (2,20%) virá de cortes nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social; o restante virá do Programa de Dispêndios Globais efetuado pelas empresas estatais (0,65%), e de estados e municípios (0,95%). Impactos menores devem sofrer as áreas de Educação, Saúde ou Previdência Social por serem políticas que possuem vinculações de receitas. As demais políticas sociais ficarão expostas aos cortes.

É preocupante, ainda, o fato de que o resultado apurado de superávit primário tem sempre extrapolado as metas estipuladas desde 2004, segundo estudos do CFEMEA4. Ou seja, em 2009 o impacto nas políticas sociais pode ser ainda pior.

Com a constante queda dos juros, a dívida pública apresentou tendência de redução em relação ao PIB. Apesar do PLDO 2009 sinalizar uma continuidade dessa queda, será muito difícil o governo conseguir atingir as metas estipuladas, tendo-se em vista as alterações na taxa de juros que o governo já começou a fazer para manter a inflação sob controle. A dívida líquida prevista para 2009 é de R$ 763,8 bilhões. Para se ter uma idéia, esse valor corresponde a mais de 10 vezes o valor previsto para todo o Orçamento Mulher em 2008.

Essa prioridade para o cumprimento de metas fiscais tem um impacto grande e negativo sobre o acesso de cidadãs e cidadãos aos seus direitos e aos serviços públicos correspondentes.

Em realidade, a contradição que se verifica entre o alcance das metas fiscais e os limites à realização de direitos pela cidadania revela a disjunção entre política econômica e política social. Desde o nosso ponto de vista, uma das grandes políticas sociais é exatamente a política econômica, porque é ela que permite (ou inviabiliza) a geração de emprego, a distribuição de renda, a redistribuição da riqueza, o crescimento econômico. Portanto, se a política econômica não estiver orientada ao combate à exclusão, à promoção da igualdade, para a política social, por sua vez, só vai restar a possibilidade máxima de “redução de danos”, ou seja, medidas compensatórias para os segmentos marginalizados, e não emancipatórias como de fato se almeja.

Porque a LDO tem um Anexo de Metas Fiscais, firmemente amparado pela Lei de Responsabilidade Fiscal e não dispõe também de um Anexo de Metas Sociais? Na tentativa de contribuir para uma maior coerência entre o econômico e o social, o CFEMEA sugere que seja incluído na LDO um Anexo de Metas Sociais.

Esse anexo é de suma importância para que o governo possa demonstrar as prioridades sociais, além das fiscais. Também será possível observar o planejamento do governo para o cumprimento de tais metas sociais para um dado exercício financeiro. Entendemos que esse anexo deverá ser construído de forma participativa com a sociedade civil. Dessa forma será possível comparar o cumprimento das metas fiscais com políticas que assegurem direitos para a população, que sejam estruturantes para o combate às desigualdades e promovam a igualdade de gênero e raça.

A política de diminuição dos gastos sociais para assegurar a administração da dívida pública ameaça os direitos básicos de toda a população brasileira. Quando o Estado abre mão de qualificar os serviços de saúde, educação, segurança, por exemplo, essas tarefas são assumidas, em grande parte, pelas mulheres. É sobre elas que, tradicionalmente, recai o trabalho reprodutivo (trabalho doméstico e de cuidados), realizado sem nenhuma remuneração. Assim, na medida em que o Estado se exime de oferecer serviços básicos como creches, hospitais e cuidados com idosos em favor do pagamento de despesas fiscais, são as mulheres quem pagam, literalmente, essa conta. São elas as principais atingidas pela miséria, exploração e exclusão produzidas pela condução da atual política econômica. Nada menos que 70% da população pobre do mundo é formada por mulheres, que, como dissemos, carregam o peso da reprodução social5.

Torna-se muito importante, por essa razão, a aprovação do Projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal e Social (PLRFS), para que as políticas sociais também tenham a devida prioridade na agenda pública tanto quanto as metas da política econômica, além de outras leis que garantam direitos e promovam a devida reparação para as mulheres.

Um primeiro passo já foi dado no PLDO 2008, quando o CFEMEA, juntamente com a Bancada Feminina, conseguiu a aprovação da emenda que determina que “a elaboração e execução do orçamento fiscal e da seguridade social deverão obedecer à diretriz de redução das desigualdades de gênero, raça e etnia”.

No entanto, é preciso ir além, incluindo mecanismos que garantam o cumprimento de tais compromissos. Nesse sentido, o CFEMEA irá apresentar e trabalhar para a aprovação de emendas que assegurem a transparência do gasto público, fomentando a participação e o controle social e que insiram as ações do Orçamento Mulher como prioridades para o ano que vem.

O contingenciamento de recursos

No contexto de divórcio entre o econômico e o social, um artifício da política econômica tem sido o chamado contingenciamento. Ao longo do exercício financeiro, o governo determina, via decreto, a limitação de empenho de uma quantidade significativa de recursos, a fim de garantir reservas para o cumprimento de metas fiscais e compromissos financeiros. Só depois de atingir tais metas é que os recursos são liberados, grande parte deles nos últimos meses do ano. Isso não só inviabiliza a execução de vários programas em tempo hábil, tendo um impacto negativo na qualidade do gasto público, como também eleva os valores de restos a pagar e impacta a execução orçamentária dos próximos anos.

Para se ter uma idéia, neste ano de 2008 ocorreu o maior contingenciamento em um primeiro decreto de programação desde a promulgação da LRF. Por meio do Decreto nº 6.439/08 o governo limitou o empenho, a movimentação financeira e os pagamentos de despesas discricionárias do Executivo e dos demais poderes em R$ 19,4 bilhões6. Com isso, programas sociais dos mais diversos ministérios são penalizados, aguardando a liberação dos recursos pelo governo.

Salário mínimo

O aumento do salário mínimo é uma política que distribui a renda e combate as desigualdades econômicas tanto do ponto de vista de gênero quanto racial. Por isso é um ponto importante para a análise, visto que o movimento feminista luta por igualdade de rendimentos e de oportunidades no mundo do trabalho.

O PLDO 2009 indica a vontade do governo em garantir aumento real do salário-mínimo em percentual equivalente ao crescimento real do PIB per capita de 2008. Isto é, a previsão de reajuste do salário mínimo para 2009 é de 9,32%, atingindo R$ 453,67.

A Constituição Federal, em seu art. 7º, diz que o salário mínimo deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas da população com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Porém, mesmo com o aumento previsto, o salário mínimo ainda está muito aquém do necessário - segundo o DIEESE, o mínimo deveria ser de R$ 1.918,12 em abril de 2008.

Segundo dados do IBGE, as mulheres continuam mais pobres do que os homens. Aproximadamente 40% delas não têm carteira assinada, trabalham em condições precárias, e sem proteção social. A diferença de rendimentos entre mulheres e homens é alta, especialmente quando se leva em consideração a raça das pessoas; entre as próprias mulheres, as negras são as mais pobres.

O aumento do mínimo poderia beneficiar cerca de 20 milhões de mulheres, grande parte delas trabalhadoras rurais e domésticas7 que, em conjunto, somam cerca de 30% da população. Dos trabalhadores domésticos sem carteira assinada, 40% recebe até um salário mínimo. O grupo é composto quase em sua totalidade por mulheres.

Dentre as mulheres que têm trabalho remunerado, 45% ganham até um salário mínimo; entre os homens esse percentual cai para 29%, o que demonstra a discriminação de gênero existente no mercado de trabalho, já que os trabalhadores estão em faixas de salário mais elevadas do que as trabalhadoras.

Como o aumento do salário-mínimo eleva tanto os salários-base quanto as aposentadorias e pensões, segue análise a seguir.

Previdência Social

De acordo com o PLDO 2009, as projeções do atual modelo da previdência social deverão estar desagregadas por sexo, idade e clientela, considerados eixos estruturantes do nosso modelo de previdência. Contudo, não é raro ouvirmos discussões sobre o déficit da previdência, a impossibilidade de cobertura e a ausência de um modelo socialmente justo, especialmente no que diz respeito às mulheres.

Por exemplo, o caso das trabalhadoras domésticas: embora 12,7% do PIB advenham das atividades domésticas de reprodução social, tidas como função “natural” do sexo feminino, este trabalho não é quantificado8. Além disso, a lógica contributiva do sistema previdenciário brasileiro alija essas mulheres da proteção social que lhes é devida.

Para agravar essa situação, o PLDO indica, ainda, uma renúncia previdenciária de R$ 17,1 bilhões, que representa 9,45% do total da arrecadação previdenciária, oriunda de três modalidades:

1) A principal isenção previdenciária é das empresas optantes pelo SIMPLES NACIONAL: essas empresas têm o benefício de redução da contribuição previdenciária patronal10. A isenção alcança R$ 9,1 bilhões e representa 53% do total das isenções previdenciárias.

A proposta do SIMPLES não foi concebida considerando as desigualdades de gênero. A medida, que visa a formalização da situação de trabalhadores/as autônomos/as, micro e pequenas empresas, por outro lado, acarreta redução dos direitos trabalhistas. Até onde se sabe, não há nenhuma iniciativa para avaliar os impactos do SIMPLES sobre a situação das mulheres.

2) Em segundo lugar aparecem as ENTIDADES FILANTRÓPICAS: essas entidades possuem isenção da contribuição previdenciária patronal. Esse montante atinge R$ 5,4 bilhões, 31,5% do total das isenções previdenciárias.

Embora a isenção da cota patronal das Entidades Filantrópicas seja justa, esta isenção alcança entidades como os grandes times de futebol, que são riquíssimos; grandes empresários de ensino que mais acumulam riquezas do que promovem acesso universal à educação, ou hospitais como as Casas de Misericórdia que não respeitam a legislação nacional e as diretrizes de saúde pública para a atenção à saúde sexual e reprodutiva.

3) Por fim, encontra-se a EXPORTAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL: as agroindústrias e o produtor rural pessoa jurídica têm o benefício de não-incidência de contribuição social sobre receitas de exportações do setor rural11. Esta isenção chega a R$ 2,6 bilhões, ou seja, 15,5% do total.

O valor dessa isenção para os exportadores corresponde à quase totalidade dos recursos necessários para incluir no sistema previdenciário mais de 7 milhões e 200 mil mulheres pobres, com mais de 60 anos, que hoje estão sem nenhuma proteção social, considerando o benefício de um salário mínimo (R$415,00). Isenta-se os exportadores para cobrar das mulheres pobres? O argumento da falta de recursos para a inclusão das mulheres fica, assim, colocado à prova.

Participação e Controle Social

A questão da participação e do controle social é extremamente importante para os movimentos social, de mulheres, feminista ou anti-racista. É válido lembrar que ela faz parte das diretrizes que compõem a Política Nacional para as Mulheres (garantir a participação e o controle social na formulação, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas, disponibilizando dados e indicadores relacionados aos atos públicos e garantindo a transparência das ações). A realidade, no entanto, ainda está muito aquém disso.

A principal via de participação da sociedade civil no processo orçamentário se concretiza pela Comissão de Legislação Participativa (CLP). Por meio dela, os movimentos e organizações apresentam suas emendas ao orçamento12, possibilitando, assim, uma incidência mais efetiva no processo.

Todavia, a publicação da Resolução nº 01/200613 do Congresso Nacional retirou a CLP da lista de comissões às quais era permitida a apresentação de emendas à Lei Orçamentária Anual (LOA). Com isso, fechou-se uma das principais portas de participação da sociedade civil no processo orçamentário, num retrocesso sem precedentes em termos de transparência e participação social.

Em relação a isso o PLDO 2009 não apresenta avanço. Mantém a possibilidade do Poder Legislativo realizar audiências públicas regionais e temáticas com a participação de entidades do movimento social14. Todavia, o Poder Executivo empurra para o Legislativo a responsabilidade de realizar audiências públicas com a participação da sociedade civil, desrespeitando o Art. 48 da LRF, que rege que também é responsabilidade do executivo promover audiências públicas para a elaboração das leis orçamentárias.

Ainda assim, cabe ressaltar o avanço proporcionado pela Comissão de Legislação Participativa - CLP ao realizar audiências públicas regionais para a discussão da Lei Orçamentária Anual e do Plano Plurianual, que permite discutir tais leis do ponto de vista das desigualdades encontradas por cada uma das cinco regiões brasileiras.

Quanto à transparência, muito ainda falta ser feito. Apesar de em Leis de Diretrizes Orçamentárias anteriores terem sido aprovadas algumas sugestões de emendas relativas a essa questão apresentadas pelo CFEMEA15, verifica-se que ainda faltam canais de participação e informações acerca das leis orçamentárias nos processos de elaboração no Executivo. A sociedade civil organizada ainda depende da atuação do Legislativo para obter acesso a informações e participar na discussão.

Em relação ao controle social, é preciso discutir o real sentido e aplicabilidade da LDO. Já foi definido na LDO 2008 que a prestação de contas do Poder Executivo deveria vir acompanhada de um relatório de impacto social, com informações sobre as mudanças efetivas na situação social da população brasileira. No entanto, essa informação não faz parte do relatório apresentado pelo executivo no começo de 2009.

Outro ponto importante é a obrigação das agências financeiras de fomento e órgãos gestores de recursos parafiscais apresentarem relatórios sobre os investimentos sociais que tenham realizado. Isso também não está sendo cumprido.

Diante desse quadro, o CFEMEA apresenta, novamente, um conjunto de sugestões de emendas no sentido de garantir que a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2009 contribua efetivamente para ampliar as ações públicas de superação das desigualdades e promoção dos direitos humanos, criando condições para sua avaliação, além da democratização do processo orçamentário e viabilização da transparência e participação social.

Anexo de metas e prioridades

Os objetivos de governo presentes no PLDO 2009 são os mesmos aprovados no PPA 2008-2011. Este Plano Plurianual organiza estrategicamente as ações do Governo em três eixos: (i) crescimento econômico; (ii) agenda social e (iii) educação de qualidade. Tais eixos articulam 10 objetivos de governo16. O foco dos objetivos é o desenvolvimento econômico e a infra-estrutura, com descaso à garantia dos direitos humanos.

Dentre os 10 objetivos, apenas três deles apontam a superação das desigualdades sociais; de gênero, raça e etnia e as desigualdades regionais. São eles os objetivos: 1) promover a inclusão social e a redução das desigualdades; 4) fortalecer a democracia com igualdade de gênero, raça e etnia e a cidadania com transparência, diálogo social e garantia dos direitos humanos; e 6) reduzir as desigualdades regionais a partir das potencialidades locais do Território Nacional. Isso é muito pouco para um país como o nosso, que historicamente acentuou as desigualdades e gerou uma dívida social muito grande, que onera especialmente as mulheres e os negros.

A grande desigualdade social em que vivemos torna necessária uma visão mais estratégica e efetiva de combate às desigualdades, principalmente de gênero, raça e etnia, e de promoção e garantia dos direitos humanos.

Para compreendermos em que medida esses objetivos se relacionam com a promoção e garantia dos direitos das mulheres e o combate às desigualdades de gênero, raça e etnia, analisaremos a seguir o Anexo de Metas e Prioridades sob a perspectiva do Orçamento Mulher. A idéia é verificar quanto está incorporado e quanto ainda falta ser contemplado nas metas e prioridades do governo para 2009.

O Orçamento Mulher é composto, atualmente, por 75 programas e 664 ações que, como dissemos, atendem direta ou indiretamente às necessidades específicas das mulheres e impactam as relações de gênero. A proporção de ações contempladas evidencia a falta de prioridade dada pelo governo: são apenas 9% das ações do Orçamento Mulher presentes no Anexo de Metas e Prioridades.

Os movimentos de mulheres e feminista entendem que é preciso lutar para que mais ações sejam acatadas como prioritárias, especialmente aquelas estratégicas para a implementação de programas de maior impacto na vida das mulheres brasileiras.

Diante desse quadro, o CFEMEA apresenta, novamente, um conjunto de sugestões de emendas no sentido de garantir que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2009 contribua efetivamente para ampliar as ações públicas de superação das desigualdades e promoção dos direitos humanos, criando condições para sua avaliação, além da democratização do processo orçamentário e viabilização da transparência e participação social.

Essa é a segunda vez que o projeto tem uma mulher como relatora, a senadora Serys Slhesarenko (PT-MT). Antes dela, apenas Lúcia Vânia (PSDB-GO) em 2002 havia relatado o projeto de lei. Com uma representante da bancada feminina, espera-se maior sensibilidade a temas relacionados aos direitos das brasileiras. A própria relatora garantiu que a mulher terá atenção especial no Anexo de Metas e Prioridades.

(1) A LDO 2008 foi votada em 2007 e como relata a análise do CFEMEA feita na época, “não acompanhou o Anexo de Metas e Prioridades, sob a justificativa da inexistência do plano plurianual no qual deveria estar baseado, remetendo para o projeto de lei do PPA 2008/2011 o seu estabelecimento”. Disponível em http://74.53.188.162/%7Ecfemeao/orcamento/images/pdf/OrcamentoMulher_ComentariossobrePLDO2008.pdf.

(2) Como grande desafio, a entidade assumiu a luta pela regulamentação de novos direitos conquistados na Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, foi elaborado o programa institucional Direitos da Mulher na Lei e na Vida em 1992, incorporando, ao longo da década, as Plataformas das Conferências Mundiais de Beijing'95 e Cairo'94. Ao longo de sua atuação, o CFEMEA contribuiu na elaboração, discussão e aprovação de leis significativas para a garantia dos direitos das mulheres desde a Constituinte, entre as quais: a Lei do Planejamento Familiar, a Lei de cotas para as mulheres na política; a regulamentação da união estável; a reforma do Código Civil; a lei de igualdade de oportunidades no trabalho; e, mais recentemente, a Lei Maria da Penha, de combate à violência contra as mulheres.

(3) Criado em 2002, o Orçamento Mulher agrega os programas e ações previstos nas leis orçamentárias que atendem direta ou indiretamente às necessidades específicas das mulheres e que impactam as relações de gênero. Atualmente é composto por um total de 75 programas, selecionados a partir do PPA 2008-2011, e pode ser acessado por meio do website http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado/ps_orcmulher/execucao.

(4) Disponível em http://www.cfemea.org.br/pdf/OrcamentoMulher_ComentariossobrePLDO2008.pdf.

(5) Cartilha ABC da dívida – 3ª edição, disponível em http://www.divida-auditoriacidada.org.br.

(6) Segundo Nota Técnica da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados disponível em http://www2.camara.gov.br/orcamentobrasil/orcamentouniao/estudos/2008/NT%2007-08%20Contingenciamento%20de%202008.pdf.

(7) Dados do IBGE, disponibilizados pelo UNIFEM. Segundo dados de 2004, 6 milhões de mulheres estão ocupadas no trabalho doméstico e a média de remuneração dessas mulheres representa 1/4 da média de remuneração diária da população em geral.

(8) Boletim “Trabalho Doméstico tem Valor”, nº 1, Março de 2008, produzido pelo CFEMEA.

(9) De acordo com a Lei Complementar nº 123/2006.

(10) De acordo com a Lei nº 8.212/1991, art. 55, com alterações das Leis nº 9.528/1997; 9.732/1998 e MP nº 2.187-13/2001.

(11) De acordo com a Constituição Federal, art. 149, § 2º, I; e Lei nº 8.870/1994, art. 25.

(12) Segundo documento distribuído pela CLP, no período 2002-2007 a Comissão apresentou 155 emendas às Leis Orçamentárias (PPA, LDO, LOA) tratando de temas diversos, todos oriundos de demandas da sociedade civil.

(13) Disponível em http://www2.camara.gov.br/comissoes/cmo/copy_of_funcionamento/resolucao_001_2006.pdf/view?searchterm=resolu%C3%A7%C3%A3o%2001/2006

(14) Tal possibilidade (art. 17, §4º) é resultado de emenda apresentada pelo CFEMEA ao PLDO 2008.

(15) Em 2008, por exemplo, as emendas aprovadas tratam da garantia de acesso pelas entidades sem fins lucrativos aos sistemas de informação governamentais, como também estabelecem compromisso (no caso das entidades privadas beneficiadas por transferências) de disponibilizarem aos cidadãos consulta ao extrato do convênio ou outro instrumento utilizado.

(16) O CFEMEA já publicou e analisou os objetivos de governo na publicação “Perspectivas das Políticas para as Mulheres no PPA 2008-2011”, disponível em www.cfemea.org.br.

http://74.53.188.162/~cfemeao/orcamento/index.php?option=com_content&task=view&id=83&Itemid=30 18/10 12:00h

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