sábado, 5 de setembro de 2009

A politica de cotas no Brasil, o sistema eleitoral e a sub-representação feminina1




José Eustáquio Diniz Alves2

Clara Araújo3
RESUMO

O artigo avalia a participação feminina na política parlamentar brasileira, tendo como base os
resultados das eleições de 2002 e 2006 para a Câmara Federal. Pretende-se comparar as
intercessões entre fatores sociais e institucionais, seu impacto sobre chances de eleições de
acordo com o sexo, bem como em que medida os diversos condicionantes socioeconômicos
potencializam ou minimizam os resultados da política de cotas no Brasil. Após situar o Brasil
no panorama internacional, quando se mostra que avanços sociais na igualdade de gênero não
se traduzem em melhorias de gênero na política, é feita uma análise estatística multivariada. A
análise busca compreender como algumas variáveis individuais - como sexo, idade, nível
educacional e estado conjugal - se articulam com a filiação partidária e com indicadores
sociais - como IDH, densidade demográfica e tamanho do distrito-, para determinar as
chances de sucesso eleitoral. Em seguida são discutidas as expectativas e limites que as
políticas de cotas comportam diante do debate atual e a multicausalidade da explicação da
baixa representação feminina na política.
INTRODUÇÃO4
A ausência das mulheres dos espaços de poder é um elemento constitutivo da história política.
E o aumento da participação feminina na política não tem acompanhado o ritmo de
transformações sociais e econômicas das últimas décadas, particularmente no Brasil. Os
resultados das recentes eleições brasileiras mostram a dificuldade para se superar o déficit de
gênero na política, ao mesmo tempo em que aponta para a fragilidade das políticas de cotas
(Lei 9.504/1997) como mecanismo construído para impulsionar uma representação mais
equilibrada entre homens e mulheres em todos os níveis do Poder Legislativo.
Existem limitações de diversas ordens, e também críticas ao processo de implantação das
cotas eleitorais no país. As brechas da legislação possibilitaram aos partidos criarem uma
reserva, mas sem a necessidade de preechê-la, tornado vazia a obrigatoriedade das
candidaturas femininas. Além disso, a Lei ampliou o universo de candidaturas totais de cada
partido (que passou de 100% para 150% das vagas). Mas as cotas eleitorais são apenas um
lado da questão. Existem países que não adotam cotas na legislação eleitoral e, mesmo
possuindo uma formação cultural semelhante, apresentam índices de participação feminina na
política bem mais favoráveis do que os do Brasil.
Diversos estudos têm contribuído para desestabilizar a correspondência mais ou menos direta
entre desenvolvimento sócio econômico e maior participação política das mulheres. Com
efeito, esta associação não é válida nem para os países ditos desenvolvidos (a participação
feminina na política nos Estados Unidos e no Japão é bem menor do que nos países nórdicos),
nem para aqueles ditos “em desenvolvimento” (vários países africanos possuem participação
1 "Preparado para apresentação no Congresso de 2009 da LASA (Associação de Estudos Latino-Americanos), no
Rio de Janeiro, Brasil, de 11 a 14 de junho de 2009."
2 Professor do Mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais/ENCE/IBGE
3 Professora do Departamento de Ciências Sociais/UERJ
4 Este artigo complementa algumas informações e dados e recupera a discussão do paper seguinte: ARAUJO,
Clara e ALVES, José Eustáquio Diniz. Impactos de indicadores sociais e do sistema eleitoral sobre as chances
das mulheres nas eleições e suas interações com as cotas. Dados, vol.50, n.3, 2007, pp. 535-577.2


feminina na política mais alta do que a média européia). O desafio de compreendermos as
formas de acesso e recrutamento eleitoral na política institucional, tanto de homens quanto de
mulheres, requer o enfrentamento de análises quantitativas e qualitativas (Alvares, 2008).
O sistema eleitoral brasileiro tem como base as listas abertas. Este sistema tem sido
considerado como aspecto desfavorável às mulheres, pois a característica individualizada da
campanha aumenta os custos da eleição, prejudicando principalmente o sexo feminino. Nos
projetos de reforma partidária no Brasil, existem propostas de se implantar a lista fechada.
Contudo, este tema é polêmico. Algumas ponderações em favor da lista aberta também
merecem destaque, principalmente a preservação de certa autonomia do eleitor de escolher
seus candidatos, o menor poder dos dirigentes na indicação dos nomes e o contra-argumento
em relação à ausência de financiamento público, para cuja viabilidade tem sido associada a
lista fechada. Neste caso, argumenta-se que há países com lista aberta e financiamento – caso
da Finlândia. Há exemplos de países com listas fechadas, mesmo aqueles com cotas, mas sem
regras de alternância na ordem de prioridades, nos quais as mulheres têm dificuldades de
obter lugares elegíveis (Schmidit, 2006).
Sobre o tipo de lista, também não há consenso em relação ao seu efeito sobre as chances das
mulheres, embora nos últimos anos, o sistema eleitoral de lista fechada venha sendo assumido
como mais favorável do que o sistema de lista aberta (Matland, 2002, Htun e Jones, 2002).
Contudo, estudo de Schmidt (2006), envolvendo 64 países de Listas Abertas e Fechadas, e
comparando as vantagens para as eleições de deputadas, mostrou que em países de Lista
Fechada a média de participação de mulheres nas Câmaras é de 17,6%. Ao passo que, entre os
países que têm Lista Aberta essa média é de 19,7%. Schmidt alerta que os dados não
permitem sustentar a prevalência da lista aberta, mas servem para mostrar a inconsistência da
tese de que existiria uma nítida relação entre lista fechada e maior elegibilidade feminina.
Vale ressaltar que muito da associação entre lista fechada e sucesso das mulheres tem sido
feita com base em estudos sobre países com cotas. No entanto, também neste caso, as
evidências empíricas não permitem consensos. O sistema de lista por si não é o decisivo.
Como têm mostrado várias análises, como a de Mateo (2002) sobre o caso da Bélgica, a de
Baldez (2004) sobre o México, a de Marx et all (2007) sobre a Argentina e inclusive a de
Htun e Jones (2002) sobre vários países da América Latina, as cotas implantadas em sistemas
de lista fechada dependem, sobretudo, da garantia alternância por sexo no seu ordenamento,
de acordo com os percentuais mínimos exigidos. E ainda, para tanto, necessitaram de
medidas normativas que obriguem tal alternância. Mas a literatura mostra, por sua vez, que
isto depende da força das mulheres no interior dos partidos políticos. E, sobretudo, da
existência de sanções obrigatórias e/ou punitivas em relação ao seu cumprimento.
Mas a variação que ocorre entre os distritos eleitorais brasileiros, seja no quantitativo de
candidaturas lançadas ou nos percentuais de eleitas, constitui também indicativo de que a
interação com outros fatores pode ser tão ou mais relevante do que o tipo de lista. Este é um
dos aspectos que pretendemos testar neste estudo. No Brasil, no ano de 2002, enquanto alguns
distritos não elegeram sequer uma deputada, outros elegeram mais de 20%. Nas eleições de
2006, para a Câmara Federal, esta variação foi ainda maior, pois enquanto as Unidades da
Federação: AL, DF, MS, PB, PR e SE não elegeram sequer uma deputada federal, as
mulheres do Amapá e do Espírito Santo conquistaram 50% e 40% da bancada federal de seus
respectivos estados. Importa assinalar que Sergipe e Mato Grosso do Sul foram os estados
com percentuais de mulheres candidatas mais elevados em 2006, ou seja, com menor taxa de
sucesso eleitoral para as mulheres.

Isto nos remete a outro aspecto tratado pela literatura que é a magnitude dos distritos. A
associação entre distritos de alta magnitude e maiores chances de eleição de mulheres é
considerada importante pela literatura. Distritos grandes, portanto com maior número de
candidatos e maior proporcionalidade, tenderiam à maior diversificação e inclusão de
candidatos out-siders. No Brasil o comportamento dos distritos eleitorais brasileiros atua em
sentido contrário ao que vem sendo consagrado, isto é, a relação positiva entre distritos de
elevada magnitude e maior elegibilidade das mulheres. Algumas dificuldades para as
mulheres competirem em distritos maiores são evidentes, tais como a ausência de
financiamento para as campanhas, já que estes distritos tendem a ser mais populosos e a
possuir maior número de partidos disputando, derivando daí um mercado eleitoral mais
fragmentado e competitivo.
No sistema eleitoral brasileiro este fato é reforçado, pois existe uma sub-representação do
eleitorado das UFs com maior população e uma sobre-representação das UFs menores. Por
exemplo, no ano 2000, a população de Roraima, era de 324.397 habitantes, representando
0,2% da população brasileira e a população do Estado de São Paulo era de 37.032.403
habitantes, representando 21,8% da população brasileira (IBGE, 2001). Contudo, Roraima
tinha 8 deputados, representando 1,6% do total de 513 parlamentares na Câmara Federal,
enquanto São Paulo tinha 70 deputados representando somente 13,6% do total. Portanto,
existe uma “discriminação positiva” regional no sistema eleitoral brasileiro que tende a
favorecer os eleitores das Unidades da Federação (UF) pequenas, em detrimento dos eleitores
das UFs maiores (e geralmente mais ricas). Isto pode ter impactos sobre custos de campanha,
estratégias, entre outros aspectos.
Além do tipo de lista e da magnitude do distrito, outra variável considerada importante é a
Magnitude do Partido (Matland, 2002; e Schmidit, 2003; 2006). Isto é, o peso eleitoral de um
partido, determinado pela quantidade de cadeiras que ele consegue eleger, em relação ao
restante dos partidos que disputaram o mesmo pleito numa determinada circunscrição. Neste
caso, saber onde as mulheres estão e por quais partidos elas concorrem torna-se importante
para determinar quais as chances que terão de serem eleitas. Tais estudos, em geral,
comparam diferentes países. No presente caso, um caminho para avaliarmos se tais fatores são
de fato importantes consiste em compararmos tais variáveis entre os estados da federação.
Considerando a interação entre sistema eleitoral e sistema partidário, o que vem sendo
identificado pela literatura é que sistemas pluripartidários, com razoável número de partidos e
considerável variação nos seus tamanhos, sobretudo com partidos de médios e pequenos que
querem se legitimar diante dos eleitores possibilitam que as mulheres sejam mais absorvidas
como candidatas. Ademais, no espectro ideológico, seriam os partidos com perfil de esquerda
ou centro-esquerda aqueles mais abertos ao ingresso de mulheres.
Dimensões internas ao contexto partidário também teriam papel importante no processo de
recrutamento eleitoral e nas chances de eleição de mulheres, sobretudo a ideologia e a
organização partidária. Partidos de esquerda tendem a estimular mais a participação e a
ampliar as chances de eleição de mulheres (Lovenduski, 1993; Norris, 1996, 2003; IPU, 2000;
Matland, 2002; Katz e Mair, 1992). No nível organizacional, tende a haver certo consenso que
a institucionalização dos procedimentos internos, com regras claras e formalizadas e uma vida
partidária mais constante são fatores importantes que facilitam a participação de mulheres e
influenciam seu recrutamento eleitoral (Araújo, 2005).


De antemão, podemos dizer que o padrão brasileiro se aproxima de algumas dessas
tendências: multipartidarismo, um número razoável de partidos médios e pequenos, e certa
tendência à maior absorção de mulheres entre partidos médios e pequenos e/ou de esquerda.
Diversos autores destacam ainda fatores como a cultura política e certas características
socioeconômicas, como tão relevantes quanto certas características dos sistemas eleitorais
(Norris e Inglehart, 2003; Diaz, 2002). Algumas características sócio-econômicas serão
testadas mais adiante. A heterogeneidade entre níveis de desenvolvimento econômico e
humano e a participação feminina na política é muito grande, o que sugere que as causas da
baixa inserção das mulheres em cargos eletivos é complexa e não tem uma explicação simples
e geral. Dentro do próprio Brasil existem muitas diferenças nas taxas de participação das
mulheres nas diversas Unidades da Federação, mesmo estando todas sujeitas à uma mesma
legislação eleitoral.
A cultura política exigiria um estudo mais qualitativo, o que não é o caso neste artigo. Por
fim, decidimos, também, considerar outro aspecto discutido na literatura, mas ainda pouco
testado estatisticamente, ou seja, o da relação entre os out-siders e os in-siders. Em outras
palavras, o do peso da representação ou do mandato nas chances de eleição. Em trabalho
sobre a Costa Rica, Studlar e Shugart (2005) levantaram a hipótese de que a existência ou não
da reeleição poderia ser decisiva para o ingresso e a ampliação do acesso das mulheres. Por
sua vez, Chapman (1993) também analisou esta dimensão como extremamente relevante para
pensar o ingresso das mulheres nos espaços políticos, já que se tratava de deslocar quem já se
encontrava neles. E, em geral, quem já está incluído nos espaços tende a possuir, pelo próprio
fato de lá estar, certos capitais importantes para assegurar a permanência dessa condição.
Norris e Inglehart (2003) chamaram atenção para a tendência inercial do processo de
recrutamento e acesso político, tendência esta mediada por certos requisitos que se tornam
garantias de eleição. Tais requisitos ocorreriam em conseqüência da reprodução ou garantia
do perfil de quem já foi submetido à “prova das urnas” e se encontra concorrendo. Com base
nisto, incluímos como variável para testar as chances de eleição, o candidato/candidata estar
ou não concorrendo à reeleição.
Nessa perspectiva, assumimos aqui, a premissa da multicausalidade, e de que a interação entre
diferentes ordens de fatores influência o quadro atual da representação política das mulheres
no país. Desse modo, as hipóteses que sustentam este trabalho são as de que o aumento da
participação parlamentar feminina no Brasil não está diretamente associado com o grau de
desenvolvimento socioeconômico das Regiões e Unidades da Federação; que variáveis
institucionais ligados ao sistema eleitoral influenciam e interferem nas chances de acesso das
mulheres aos cargos legislativos; e finalmente, que o entendimento do resultado da política de
cotas no Brasil passa pela compreensão das características da legislação e de sua interação
com esses outros fatores multicausais, que possuem impactos indiretos sobre as cotas.
O artigo está estruturado da seguinte maneira: a) apresenta alguns dados comparando a
participação feminina em alguns países do mundo e o Brasil; b) alguns dados sobre o
eleitorado brasileiro e os resultados das últimas eleições do país; c) uma análise descritiva das
eleições gerais de 2002 e 2006; d) uma análise multivariada das mesmas eleições gerais;



CRESCIMENTO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA NO MUNDO EM COMPARAÇÃO
COM O BRASIL

Em 1945, conforme mostra o gráfico 1, havia 26 parlamentos em funcionamento na
comunidade internacional. Este número mais do que dobrou nos dez anos seguintes e, em
2008, chegou a 189 parlamentos. Em 1945 a participação feminina na política parlamentar era
de apenas 3% no mundo e zero no Brasil. Em 1975, quando se instituiu o Ano Internacional
da Mulher, o percentual feminino no parlamento brasileiro era próximo de zero, enquanto no
resto do mundo era pouco superior a 10%. De 1975 a 1995 a diferença entre as taxas de
participação de ambos os sexos se reduziram entre o Brasil e o mundo. Após 1995, quando
ocorreu a IV Conferência Internacional da Mulher, a participação feminina cresceu em geral,
mas as taxas cresceram mais rápido no mundo do que o Brasil. Atualmente, a percentagem de
participação feminina no parlamento (Single house or lower house) brasileiro é pouco menos
da metade da participação mundial.


Gráfico 1: Percentagem de mulheres no parlamento, Brasil e mundo e número de parlamentos
1945-2008


Confira no site


http://www.maismulheresnopoderbrasil.com.br/Art_LASA_Alves Araujo_30abr09-1.pdf

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