Por Alberto Carlos de Almeida
Na primeira vez que foi eleito primeiro-ministro, Tony Blair afirmou que tinha três prioridades: educação, educação, educação. A maioria dos brasileiros não sabe o quão séria era essa afirmação para ele nem quais eram as implicações dessa escolha em sua campanha eleitoral. Para mencionar apenas algumas, o quartel-general de campanha e o local onde o candidato britânico dava todas as entrevistas à imprensa tinha na parede um grande banner, atrás dele, no qual estava escrito: "education, education, education". Ou seja, sempre que Blair falava com a imprensa, era fotografado e filmado tendo a palavra educação repetida três vezes atrás de si.
Adicionalmente, o primeiro evento de sua campanha, aquele com a qual foi inaugurada, foi uma visita à escola de um bairro pobre de Londres. Mais uma vez, toda a mídia britânica, que aguardava com ansiedade o momento de abertura da campanha dos principais candidatos, acompanhou Blair e sua mulher à periferia de Londres, onde ele demonstrou seu compromisso com a educação.
A ênfase não parou aí. As promessas de campanha foram bastante específicas, desde quanto mais do orçamento seria aplicado na educação até quantos estudantes por professor haveria, no máximo, em cada sala de aula. Aliás, essa era uma reivindicação antiga dos pais que simbolizava educação de um nível mais elevado. Quanto mais crianças por professor, menos atenção as crianças têm e, portanto, menos aprendem. Ao contrário, se forem menos crianças para mais professores, a qualidade da educação será melhor. Blair tinha um compromisso explícito em relação a isso.
Há coisas no Brasil que não dão voto e educação é uma delas. A prova mais conhecida disso foi o que ocorreu com Cristovam Buarque quando se candidatou a presidente da República com sua campanha monotemática sobre educação. O resultado foi pífio.
Campanhas monotemáticas não são necessariamente ruins. Quando o tema interessa ao eleitorado, elas saem vitoriosas. Quando afirmo monotemática, estou apenas salientando que tais campanhas optam por uma ênfase muito forte em algum tema específico. Foi assim que José Serra, por meio da saúde, derrotou Marta Suplicy em 2004. Gilberto Kassab utilizou o mesmo remédio em 2008.
Fernando Henrique Cardoso foi praticamente monotemático em 1994 e 1998: Plano Real, estabilização da economia, aumento do poder de compra, todos variações sobre o mesmo tema. Em 1994 havia uma mão com cinco dedos. Alguém se lembra dos cinco itens? Provavelmente não, temos de procurar na internet. Isso tudo para mostrar que Cristovam Buarque se deu mal não porque falou de uma única coisa ou deu ênfase a uma única coisa, mas porque a coisa escolhida, educação, não dá voto.
Na eleição de 2008, o tema dos prefeitos eleitos foi saúde. Em praticamente qualquer município brasileiro, se a pergunta feita para o eleitorado fosse: que problema a prefeitura e o prefeito deveriam resolver em primeiro lugar? A resposta mais mencionada, de longe, seria saúde. Não por acaso o Brasil está repleto de prefeitos que eram médicos. Não por acaso uma das principais promessas em todos os lugares do Brasil ou foi construir um hospital, ou fazer postos de saúde, ou comprar mais ambulâncias para levar os doentes a municípios vizinhos de maior porte. Não faz sentido ter hospitais em municípios minúsculos de 3 ou 4 mil habitantes.
Até mesmo quando a educação aparentemente ajuda a vencer uma eleição, não foi a educação que fez isso, mas sim como ela foi embalada. Esse foi o caso de Leonel Brizola e seus CIEPs, os Centros Integrados de Educação Pública. Quais eram as marcas dos CIEPs que mandavam uma mensagem que não necessariamente estava ligada à educação? Eis: merenda escolar (a família economizava com a comida das crianças, o tema aqui é dinheiro no bolso); horário integral (a criança ficaria na escola a maior parte do dia, o que contribui para afastá-la do crime, o tema aqui é segurança pública); banho tomado e prédios de boa qualidade (o tema aqui é dar um tratamento digno às pessoas mais pobres).
Nunca, no marketing dos CIEPs, os temas gravitaram em torno de número de professores por crianças, salários e qualificação dos professores, conteúdo dos livros didáticos, sistema de aprovação ou as questões mais genuinamente educacionais. Ao menos isso nunca foi tema da propaganda política da época. Por que será? Simples, porque não daria voto.
O que não dá voto também não dá mídia. Todo ano a Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) publica um documento intitulado "Education at a Glance" adicionado do ano da publicação. Anualmente, esse documento tem pouco ou nenhuma mídia no Brasil, suscita pouco ou nenhuma reflexão no Brasil. Quem quiser encontrar o relatório basta digitar seu título em qualquer ferramenta de procura da internet.
São aproximadamente 470 páginas repletas de dados e estatísticas. O Brasil consta de algumas poucas, realmente poucas, estatísticas. Países como México, Irlanda, Portugal, Espanha, Chile, todos católicos como nós, estão em quase todas as tabelas. Por que não estamos em igualdade de condições com nossos pares religiosos? Será que isso quer dizer alguma coisa? Será que nossas estatísticas são menos abrangentes? Será que não existem? Ou existem, mas por algum motivo não são enviadas ou coletadas pela OCDE? Pode ser que isso já seja matéria de reflexão, a nossa ausência na maioria dos dados de educação.
Se os não dados são eloquentes, os dados são mais ainda. Na Coreia do Sul, 40% da população entre 55 e 64 anos completou ao menos o segundo grau. Essa proporção é de 100% para aqueles que estão na faixa etária entre 25 e 34 anos. Note-se que a Coreia foi o país que obteve o melhor resultado entre gerações. Ela tinha 60 pontos porcentuais para crescer e cresceu exatamente esses 60 pontos. Já o Brasil tinha 80 pontos porcentuais para crescer, posto que 20% das pessoas entre 55 e 64 anos fizeram ao menos o segundo grau. Nós melhoramos 30 pontos para a faixa de idade mais jovem. Trinta dividido por 80 significa que crescemos 40% do espaço que tínhamos para crescer. A Coreia cresceu 100%.
Outros países que investiram em educação de forma maciça e cresceram muito do que poderiam crescer foram Polônia, Irlanda e Rússia. Os dois primeiros predominantemente católicos e o terceiro um dos BRICs.
Na lista de 35 países da OECD, o Brasil, nesse indicador, é um dos piores, o quarto último colocado. Em termos de taxa de crescimento entre gerações, o Brasil perde apenas para Turquia, México, Alemanha, Estônia e Estados Unidos. Perde para os dois primeiros porque eles são tão ruins quanto nós tanto no nível educacional dos mais velhos quanto no dos mais jovens; perde para os três últimos porque eles têm uma elevadíssima proporção de pessoas entre 55 e 64 anos com ao menos o segundo grau completo. Quanto a isso, uma observação relevante merece ser feita. Ela diz respeito aos Estados Unidos.
Dentre todos os países listados pela OECD para esse indicador, o que tem o mais elevado porcentual de pessoas com ao menos segundo grau entre 55 e 64 anos de idade são os Estados Unidos. O que isso quer dizer? Isso significa que já há longa data a população americana é mais escolarizada do que a dos demais países. Há outros que se aproximam dos EUA nesse número, porém, todos são países onde a escala de consumo e produção é muito menor: Estônia e República Tcheca.
O que os Estados Unidos tiveram antes de todos, a que nenhum país sequer chegou aos pés, foi a combinação de população grande com escolarização elevada. Eles foram o maior país, em número de habitantes, com a maior escolaridade do mundo. A interação entre essas duas variáveis foi crucial para dar a vantagem que os EUA hoje têm. É por isso que eles se podem dar ao luxo de não elevar a escolarização daqueles entre 25 e 34 anos, ao menos nesse indicador, sem perder a dianteira que têm. Mas também é por isso que Barack Obama tem enfatizado tanto a necessidade de investir em educação, a necessidade de os indivíduos americanos valorizarem a educação.
É aí que entra o papel da elite quando se fala de educação, quando se fala de fazer coisas que são importantes, mas não motivam o voto. Obama era professor da Universidade de Chicago antes de se tornar senador ou presidente. Não é fácil ser professor de Chicago. Não é fácil ser presidente dos EUA. Ele sabe que a educação foi crucial para que se tornasse quem ele se tornou.
A elite intelectual e decisória pode, em alguns momentos da história, fazer as mudanças necessárias por bem antes que elas tenham de vir por mal. Uma mudança vem por mal quando estamos na beira do precipício: ou ela é feita ou entra-se numa crise sem precedentes. Foi assim que lidamos com a inflação e os inúmeros esqueletos gerados durante o período militar e o governo de José Sarney. Uma mudança vem por bem quando sabemos o que é necessário fazer e enfrentamos as resistências políticas que a bloqueiam.
A opção do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, desde seu início, foi de evitar conflitos e não entrar em bola dividida. Caminhou-se o tempo inteiro pelo assim chamado caminho de menor resistência. Nada contra. É apenas uma escolha política, como outra qualquer. A consequência dela, no caso da educação, é que permaneceremos com um problema sério no colo que terá de ser resolvido em algum momento. Infelizmente, continuamos a não saber quando.
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
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