Interpretações diversas e falta de estrutura do Judiciário podem ajudar candidatos fichas-sujas a concorrer a cargos
05/07/2010 | 00:01 | Rosana FélixA expectativa positiva em torno da Lei da Ficha Limpa, uma das maiores conquistas da sociedade nos últimos anos, pode virar uma frustração. Brechas na lei, interpretações diversas e a falta de estrutura do Judiciário são vistas como obstáculos para barrar os candidatos fichas-sujas nas eleições deste ano. Isso tudo serve de motivação para que políticos já condenados digam que têm direito a concorrer, como fez recentemente o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP).
Na semana passada, em apenas dois dias o Supremo Tribunal Federal (STF) livrou dois candidatos dos efeitos da lei. Na quinta-feira, o ministro Gilmar Mendes suspendeu decisão contrária ao senador Heráclito Fortes (DEM-PI). Na sexta-feira, foi a vez de o ministro José Antonio Dias Toffoli conceder liminar favorável à deputada estadual Isaura Lemos (PDT-GO).
Na sexta, Carlos Ayres Britto negou três pedidos de suspensão de inelegibilidade. Um do deputado João Pizzolatti, de Santa Catarina, um de Athos Pereira, ex-prefeito de Montes Claros (MG), e um de Juarez Firmino de Souza Oliveira, candidato a vereador em Maringá em 2008.
Brizza Cavalcante/Ag. Câmara
Ampliar imagemJovita Rosa: contra a corrupção
Movimento acompanha aplicação da nova norma
O Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) – responsável pela campanha em prol da Ficha Limpa – é otimista quanto à aplicação da lei. Segundo a diretora da secretaria-executiva do MCCE, Jovita José Rosa, a Justiça sempre manifestou a intenção de barrar a candidatura dos fichas-sujas, mas faltava um embasamento legal para isso.
“Quem é que não sabe que o Paulo Maluf tem ficha-suja? Tenho certeza de que o Judiciário vai cumprir seu papel e mostrar para a sociedade que está tratando com seriedade a questão das candidaturas”, diz. Para ela, mesmo nos casos em que não fique configurada a intenção em causar prejuízo ao erário, é preciso vetar a candidatura dos maus gestores. “É hora de combater esse mal. A corrupção gera injustiça e a injustiça gera violência. Temos de cortar esse mal, e o Ficha Limpa está aí para isso.”
Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, a lei “já pegou”. “O número de políticos que estão procurando se livrar da lei é bem inferior do que a gente esperava. Isso significa que ela já inibiu as pessoas que não tem ficha limpa de concorrer”, afirma.
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares Pires é mais cauteloso. Ele não viu “flexibilização ou fragilização” da lei nos casos em que o STF permitiu o registro das candidaturas de políticos com a ficha suja. “É preciso ter cuidado e serenidade”, anotou, destacando que analisou várias vezes o despacho do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu a aplicação da lei para o senador Heráclito Fortes (DEM-PI). “O senador entrou com recurso e o prazo para o registro das candidaturas termina hoje. O ministro só concedeu o efeito suspensivo ao senador para evitar dano irreparável ou de difícil reparação. Na volta do recesso, a análise de casos como esse será prioritária”, disse Pires.
O presidente da AMB, Mozart Valadares Pires, ressaltou que a lei de Ficha Limpa é um marco no país. E reforçou estar tranquilo quanto à sua aplicação. “Não é porque temos uma lei rígida que vamos querer impedir que todos sejam candidatos. A lei não pode se transformar em caça às bruxas”, advertiu.
Rosana Félix e Agência Estado
Lançada em abril de 2008, a campanha Ficha Limpa reuniu cerca de 1,6 milhão de assinaturas e mobilizou diversas entidades da sociedade civil. Ela foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 4 de junho, como Lei Complementar n.º 135/2010.
Apesar de a lei ser um grande avanço, dificilmente causará grande impacto na disputa deste ano. A opinião é de Fabiano Angélico, coordenador de projetos da Transparência Brasil, ONG comprometida com o combate à corrupção. “A lei foi aprovada e parece que tudo está resolvido. Mas dificilmente ela vai funcionar bem em 2010, pois não há uma base de dados adequada, e a Justiça Eleitoral não tem estrutura suficiente para analisar tudo”, afirma.
A lista dos inelegíveis é grande e são poucos os órgãos que encaminham informações à Justiça Eleitoral sobre administradores públicos condenados. Entre eles estão o Tribunal de Contas do Paraná (TC) e o Tribunal de Contas da União (TCU), que informam quais gestores públicos tiveram contas consideradas irregulares nos últimos anos. No Paraná, há 1,2 mil pessoas nessa situação. Em todo o Brasil, quase 5 mil.
Para tentar minimizar o problema, na semana passada o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que todos os tribunais passem a enviar informações sobre os inelegíveis à Justiça Eleitoral. “Mas são 27 tribunais estaduais, cinco tribunais regionais federais e todas as categorias profissionais. É impossível enquadrar todos os fichas-sujas neste ano”, observa Angélico.
Para fazer o registro da candidatura, o interessado precisa apresentar certidões negativas da Justiça, entre outros documentos. O coordenador da Transparência Brasil diz temer pela má-fé de parte dos candidatos. “Se determinada pessoa já foi condenada por irregularidade, qual será a confiabilidade dela em declarar algo?”
Interpretação
A tese do “eu não sabia” também pode prejudicar a aplicação da nova norma. Paulo Maluf, condenado por improbidade administrativa e procurado pela Interpol, afirma que vai concorrer à reeleição. “A minha ficha é a mais limpa do Brasil”, declarou na semana passada. A defesa dele vai se basear em um trecho polêmico da Lei n.º 135/2010. Pelo texto, estão inelegíveis os condenados por “ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito”. Os advogados de Maluf vão dizer que ele não tinha intenção de causar prejuízo ao erário, e que tampouco enriqueceu com isso.
Segundo Angélico, se a tese for apresentada a um juiz com uma linha “garantista”, Maluf poderá obter o registro. Ele cita como exemplo o julgamento do STF a respeito do “mensalão mineiro”. Por 5 a 3, os ministros do STF aceitaram a denúncia contra o senador e ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB). Os três votos contrários afirmaram que não havia provas concretas de que o tucano sabia do esquema. “É muito difícil provar o envolvimento de um governante, pois ele não vai querer guardar nada que indique envolvimento com irregularidades. As evidências estão com os operadores. Mas nem todos os juízes pensam assim.”
Cassação
Outro trecho da Ficha Limpa que pode gerar polêmica é referente ao dos políticos cassados. A lei diz que são inelegíveis os condenados “por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de oito anos a contar da eleição”. Por isso os ex-governadores Jackson Lago (PDT-MA), Marcelo Miranda (PMDB-TO) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), por exemplo, não poderiam concorrer nas eleições de outubro, pois todos foram cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano passado.
Entretanto, há uma linha de interpretação que indica que eles podem conseguir o registro eleitoral. Quando eles foram cassados, foram penalizados com a suspensão dos direitos políticos por três anos, contados a partir da data do fato, ou seja, da eleição que ocorreu em 2006. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, afirmou que os três já foram condenados, cumpriram a pena e não podem ser responsabilizados mais uma vez. “Na minha leitura, esses três serão candidatos sem nenhum problema”, declarou em entrevista a Alexandre Garcia, na Globo News.
FONTE GAZETA DO POVO 05/07/2010 às o7:47h
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