Vida e Cidadania
Segunda-feira, 25/10/2010
Fábio Dias/Gazeta do Povo
“Não acredito que ela esteja morta. Tenho no meu coração que ela está viva.” Graciete da Silva Bandeira, 46 anos, que desde 2005 não vê a filha Graciane Bandeira, mais uma das vítimas do tráfico de pessoas Graciete da Silva Bandeira, 46 anos, que desde 2005 não vê a filha Graciane Bandeira, mais uma das vítimas do tráfico de pessoasVítima vira aliciadora do tráfico
Quadrilhas usam mulheres já exploradas para encontrar novas moças para o tráfico de pessoas. Endividadas e ameaçadas, elas continuam sob o controle dos traficantes
Publicado em 22/10/2010 | Foz do Iguaçu - Denise Paro, correspondente
A repressão ao tráfico de pessoas fez quadrilhas internacionais que atuam no Brasil adotarem uma nova estratégia de aliciamento, segundo investigações da polícia. O trabalho de sedução e convencimento das novas vítimas agora é feito por mulheres que já foram exploradas. A nova estratégia foi identificada pela primeira vez em Goiás, estado líder no número de inquéritos policiais contra o crime e que tem um Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP), ligado ao Ministério Público.
O promotor Saulo de Castro Bezerra, coordenador do NETP, explica que antes os próprios estrangeiros vinham ao país fazer o aliciamento e levar as mulheres para boates e clubes da Europa. Agora fazem o contrário: obrigam garotas a retornarem ao Brasil para convencer outras. Em geral, as novas vítimas são amigas ou parentes da aliciadora.
“Como várias mulheres foram para a Espanha, algumas voltam bem vestidas, com carros, e induzem pessoas mais próximas a irem também”. Mas o aliciamento não é gratuito. Bezerra conta que as mulheres voltam com a missão de levar outras a fim de pagar as próprias dívidas contraídas com os ‘gerentes’ do tráfico. Além de zerar o débito, elas chegam a receber até 10 mil euros pelo cumprimento da tarefa. As dívidas de quem entra no esquema, conta o promotor, começam a ser feitas durante a viagem, a partir do momento em que as moças embarcam com dinheiro pago pela própria quadrilha.
Combate
Para analistas, faltam ações preventivas
A inexistência de um cadastro atualizado de pessoas desaparecidas no Brasil e a ausência de um programa de proteção de testemunhas voltado a quem denuncia o tráfico humano são barreiras para a identificação de vítimas e aliciadores. Nila Leite, ex-coordenadora do Núcleo da Mulher de Foz do Iguaçu, diz que falta amparo legal às mulheres que fazem denúncias. “A lei não protege a vítima e o programa de proteção à testemunha não funciona. Enquanto isso os aliciadores ficam livres”, diz.
Exploração
Espanha tem cerca de 7 mil brasileiras
A Europa é um dos destinos de homens e mulheres vítimas do tráfico no Brasil. E a Espanha é o principal mercado. Com base em dados da polícia espanhola, a pesquisadora Waldimery Corrêa, que desenvolve uma tese de doutorado em Direito Internacional sobre o assunto, revela que hoje cerca de 7 mil brasileiras vivem em regime análogo ao trabalho escravo na Espanha.
Outro aspecto preocupante, segundo Bezerra, é o fato de muitas mulheres optarem por ir à Europa, mesmo sabendo que vão se prostituir. No entanto, elas não acreditam que serão exploradas. “É difícil fazer com que a pessoa entenda isso quando o convite parte de alguém próximo”, afirma.
Para o promotor, o Brasil precisa aprimorar as ações no combate ao tráfico de pessoas. Na avaliação dele, o trabalho ainda é considerado amador diante da ação das quadrilhas e está longe de ser prioridade dos governos municipais, estaduais e federal.
Em Goiás, um trabalho conjunto da Polícia Federal (PF) e do MP resultou, somente no ano passado, na denúncia à Justiça de seis pessoas por tráfico humano. Um espanhol e duas irmãs brasileiras já foram condenados. O Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do estado já se transformou em referência no combate ao crime no país.
Perfil
Em todo o país, as vítimas mais frequentes, segundo a Polícia Federal, são mulheres afrodescendentes na faixa de 15 a 25 anos, com baixa escolaridade e que vivem em regiões carentes. O delegado da PF em Foz do Iguaçu, Reginaldo Batista, diz que o medo de denunciar, ameaças de morte e o fato de a vítima não se considerar vítima fazem com que o crime seja de difícil investigação. “A vítima encara o agressor, o aliciador, como alguém que traz benefícios e tira ela daquela situação ruim, de pobreza”, relata.
Boa parte das mulheres é atraída sob falsas promessas de emprego. Mas, segundo o delegado, em algumas situações a miséria é tanta que mesmo quando elas conseguem liberdade procuram outras regiões ou cidades do exterior para se prostituir. Quando voltam ao Brasil, evitam fazer denúncias à polícia por medo de represálias. “Se não chega nada oficialmente à polícia, para nós não existe. Ninguém denuncia”, diz.
Batista afirma ser frequente a PF identificar moças embarcando para outros países após denúncias recebidas. No entanto, como as mulheres não revelam o verdadeiro motivo da viagem não há meio de barrar a saída delas do Brasil. No Brasil, segundo o delegado, como a prostituição não é crime, a única forma de enquadrar os aliciadores é provar a prática da exploração sexual – quando uma pessoa obtém lucro financeiro por meio da prostituição de outra ou da troca de favores.
A facilidade de ingresso em países vizinhos – Paraguai, Argentina e Uruguai –, onde é possível cruzar a fronteira apenas com a apresentação do documento de identidade, também acaba facilitando a movimentação das mulheres, mesmo em poder das quadrilhas.
Dona de casa procura filha levada por traficantes há 5 anos
A dificuldade da polícia em identificar aliciadores e traficantes não se limita à falta de denúncias. Mesmo quando existem, algumas não vão adiante. O caso da jovem Graciane da Silva Bandeira, moradora de Paiçandu, no Noroeste do estado, é um exemplo.
A dona de casa Graciete da Silva Bandeira, 46 anos, não vê a filha há cinco anos. A jovem, hoje com 23 anos, não saiu de casa para estudar, trabalhar ou morar em outro país. Segundo a família, ela foi sequestrada e tornou-se vítima do tráfico de pessoas.
Na época, o caso chocou a pequena Paiçandu, município de 36 mil habitantes. Mas, depois disso, caiu no esquecimento. Até hoje, a família busca notícias de Graciane.
Desesperada e com diagnóstico de depressão, a mãe não passa um dia sem pensar no dia 10 de outubro de 2005, data em que Graciane desapareceu. Ela ainda lembra com detalhes quando saiu de madrugada para trabalhar em um frigorífico e à noite, ao retornar para casa, não teve mais notícias de Graciane. “Não acredito que ela esteja morta. Tenho no meu coração que ela está viva”, diz.
A família diz que uma vizinha ouviu a garota pedir socorro, mas teve os gritos abafados. O pai também havia saído para trabalhar e o irmão não ouviu barulho. A família acredita que os sequestradores tiveram facilidade porque Graciane, que estudava e trabalhava como babá, estava com um dos braços engessados para curar uma lesão.
Paradeiro
Com ajuda da polícia, a família chegou a vir a Curitiba atrás da filha. Informações repassadas por uma garota davam conta de que ela estaria em uma boate na região do Terminal Guadalupe. De acordo com a denúncia, se Graciane tentasse fugir, os aliciadores matariam membros da família dela. Por isso ela evitava ao máximo o contato. A busca não surtiu efeito, mas a família não desistiu. Graciete voltou à capital, distribuiu panfletos na região, recebeu informações de pessoas que a teriam visto e também foi ameaçada. As últimas pistas davam conta de que Graciane teria sido levada para Santa Catarina. Depois disso nenhuma outra pista surgiu.
Em constante procura por notícias, a irmã de Graciane, Gislaine Ferreira da Silva, criou um blog na internet (www.gisa-desaparecidos.blogspot.com) onde faz um desabafo em nome da família. Ela identifica-se como “irmã desesperada”.
Serviço:
Denúncias anônimas sobre tráfico de mulheres ou crianças podem ser feitas pelos telefones 100 ou 194, da Polícia Federal.
Gazeta do povo 25/1o/10 às 18:00
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