2012: 80 ANOS DO VOTO FEMININO
Schuma Schumaher*
A
conquista do voto feminino resultou de um processo iniciado antes mesmo
da proclamação da República. Embora a Constituição de 1891 vetasse o
direito de voto aos analfabetos, mendigos, soldados e religiosos, sem
mencionar as mulheres, elas ainda tiveram que lutar por mais de 40 anos
para conquistar esse direito.
Dois
episódios são ilustrativos das resistências usadas pelas mulheres. O
primeiro deles aconteceu em 1885 quando a gaúcha Isabel de Sousa Matos,
uma cirurgiã dentista requereu o alistamento eleitoral. Seu pedido
estava amparado pela Lei Saraiva que garantia o direito de voto aos
portadores de títulos científicos. Isabel conseguiu ganhar a demanda
judicial em segunda instância. Com o advento da República e a convocação
de eleições para a Assembléia Constituinte, Isabel, que na época estava
morando no Rio de Janeiro, procurou a Comissão de Alistamento Eleitoral
para fazer valer a sua conquista. Diante do fato inusitado de uma
mulher pleitear o direito de se alistar, a comissão solicitou um parecer
ao Ministro do Interior que fez uma negativa contundente: julgou
absolutamente improcedente a reivindicação.
A
luta prosseguiu. E foi também de outra Isabel a segunda tentativa. No
caso, da baiana Isabel Dillon, primeira a apresentar-se como candidata a
deputada na Constituinte de 1891. Ela argumentou que a Lei Eleitoral de
1890 não excluía as mulheres, uma vez que a mesma assegurava o direito
de voto aos maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever, sem
referência explícita ao sexo do eleitor. Ela tonou publica sua
candidatura e teve como plataforma eleitoral defender a opção religiosa,
a ampla liberdade de pensamento e a aprovação de leis que protegessem a
criança, a mulher e o operariado nascente. Não conseguiu sequer se
alistar para votar.
Após
muitas tentativas isoladas, surgem os primeiros grupos organizados de
mulheres como o Partido Republicano Feminino, fundado em 1910 por
Leolinda Daltro e outras feministas cariocas. Essa estratégia provocou
debates, através de manifestações públicas que criticavam a “cidadania
incompleta” das mulheres, gerando polêmicas e reações negativas por
parte da imprensa. Contudo, foi a Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino, criada em 1922, e espalhada por diversos Estados brasileiros, a
grande responsável pela campanha nacional em favor do voto feminino.
Bertha
Lutz, Almerinda Gama, Carmen Portinho, Maria Luisa Bittencourt,
Josefina Álvares de Azevedo, Jerônima Mesquita, Chiquinha Gonzaga,
Natércia da Silveira e tantas outras feministas sufragistas constataram
na prática, com indignação, que o engajamento nas lutas políticas e suas
conquistas no campo da educação eram insuficientes para que os poderes
constituídos reconhecessem seus direitos enquanto cidadãs. Lideradas por
Bertha Lutz iniciaram um campanha aguerrida em várias frentes e
cidades, usando a imprensa, as galerias da Câmara Federal, seminários,
debates, manifestações artísticas e até panfletagem aérea, para
sensibilizar os congressistas e ganhar a simpatia da população para a
causa que defendiam. E conseguiram!
Demonstrando
grande habilidade política e capacidade de articular alianças, foram
aos poucos, conseguindo adesões em vários estados e espaços. É assim
que, em 1927, a Lei
Eleitoral do Rio Grande do Norte concede o direito de voto às mulheres
norte-rio-grandenses, possibilitando que Celina Guimarães Viana e Julia
Alves Barbosa se tornassem as primeiras eleitoras do Brasil e Alzira
Soriano a primeira prefeita da América Latina, nas eleições de 1928. Um
enorme passo!
Alguns anos depois, em 1931, a FBPF
promoveu no Rio de Janeiro o II Congresso Internacional Feminista para
discutir os rumos do movimento. O discurso de abertura coube a
prestigiada escritora Júlia Lopes de Almeida. As conclusões do Congresso
foram encaminhadas ao Presidente Vargas que se comprometeu a
empenhar-se pela concessão do voto feminino.
Apesar
de Bertha Lutz fazer parte da Comissão encarregada de elaborar o novo
Código Eleitoral Brasileiro (1932) teve que enfrentar muitas polêmicas
entre os integrantes do grupo, pois os mesmos tinham posições divididas
sobre o direito de voto às mulheres. Finalmente, depois de muita
pressão, em fevereiro de 1932, o presidente Getúlio Vargas, assina o
Decreto nº 21.076, concedendo as mulheres o direito de votar e serem
votadas. Finalmente Vitória!
Com a criação do Código Eleitoral de 1932 a atenção
das filiadas da FEBP voltou-se para enfrentar outro desafio: promover a
candidatura das feministas para a Assembléia Nacional Constituinte de
1933. Entre os 254 votantes, contabilizando os eleitos e os
representantes classistas, duas vozes eram femininas: Carlota Pereira de
Queiroz, médica eleita por São Paulo e a primeira deputada federal do
Brasil; e a advogada alagoana Almerinda Farias Gama, uma das primeiras
mulheres negras na política brasileira, na época representando o
Sindicato das Datilógrafas e Taquigrafas do Distrito Federal, por
intermédio de uma estratégia bem sucedida da Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino (FBPF).
Nas eleições gerais de 1934, a FBPF
retornou ao cenário político patrocinando uma acirrada campanha
nacional para a eleição de mulheres. As propostas das feministas foram
resumidas num documento composto por treze princípios, com questões
referentes à maternidade, melhores salários e licença-remunerada, até a
discussão do acesso aos cargos públicos.
Pelo
Brasil nove mulheres foram eleitas deputadas estaduais: Quintina
Ribeiro (Sergipe); Lili Lages (Alagoas); Maria do Céu Fernandes (Rio
Grande do Norte); Maria Luisa Bittencourt (Bahia); Maria Teresa Nogueira
e Maria Teresa Camargo (São Paulo); Rosa Castro e Zuleide Bogéa
(Maranhão) e Antonieta de Barros por Santa Catarina, destacando-se,
ainda, como a primeira deputada negra do Brasil.
Infelizmente
este período de exercício da democracia representativa durou pouco. Com
o Golpe de Estado, em 1937, Getúlio passou a comandar o país usando a
batuta de um regime autoritário. Os parlamentos foram fechados e as
ações dos movimentos sociais, inclusive os das mulheres, foram
suprimidas.
Nos
anos de redemocratização pós 1945, um novo cenário político brasileiro
vai se configurando e, diante da conquista do voto para as mulheres, a
FBPF vai perdendo seu potencial mobilizador. Nesse período novas
organizações de mulheres vão surgir, e na maioria dos casos ligadas aos
partidos políticos. Com o golpe de 1964, mais uma vez os movimentos
sociais são alvos de perseguição e repressão.
Com
a decretação, pela ONU, em 1975, do Ano Internacional da Mulher e a
retomada do regime democrático o feminismo ressurge forte e organizado.
Contudo, apesar da diversidade e do aumento da participação política das
mulheres na sociedade civil, inseridas nos mais diversos campos dos
movimentos sociais – direitos das mulheres, combate ao racismo,
etnocentrismo, defesa dos direitos reprodutivos, direitos sexuais e dos
direitos humanos, ecológico, popular, comunitário e sindical – a
sub-representação feminina nas estruturas formais da política permanece,
ainda, um dos principais desafios a ser enfrentados pelos países
democráticos.
Em
âmbito mundial as mulheres representam somente 12% dos assentos
parlamentares e ocupam 11% dos cargos de presidência dos partidos
políticos. De acordo com cálculos das Nações Unidas, mantido o ritmo
atual de crescimento da participação feminina em cargos de
representação, o mundo levará 400 anos para chegar a um patamar de
equilíbrio de gênero. O Brasil integra o grupo de 60 países com o pior
desempenho no que se relaciona à presença de mulheres no parlamento –
pouco mais de 10% nos espaços Legislativos. Pois é!
A
partir de 1995 com a aprovação da política de cotas que instituiu as
normas para a realização das eleições municipais do ano seguinte,
determinou-se uma cota mínima de 20% para as candidaturas de mulheres.
Dois anos depois a Lei nº. 9504/97 estende a medida para os demais
cargos eleitos por voto proporcional - Câmara dos Deputados, Assembléias
Legislativas Estaduais e Câmara Distrital - e altera o texto do artigo,
assegurando não mais uma cota mínima para as mulheres, mas uma cota
mínima de 30% e uma cota máxima de 70%, para qualquer um dos sexos.
Embora
a adoção da política de cotas tenha estimulado o movimento de mulheres a
organizar atividades destinadas a melhor preparação das candidatas -
motivando lideranças feministas a se candidatarem e discutindo
plataformas que priorizem as particularidades das mulheres -
infelizmente, ainda são insuficientes as mudanças substantivas no
cenário político brasileiro.
Por
tudo isso, não podemos esquecer das brasileiras do passado,
consideradas transgressoras dos costumes sociais e canônicos, que com
suas atitudes ousadas e de vanguarda, deram início a uma série
ininterrupta de conquistas femininas, resultando há 166 anos atrás no
acesso à educação formal, há 80 anos no direito ao voto, há 26 anos na
igualdade plena na Constituição Brasileira e há um ano, nas eleições de
2010, concretizaram a presença de uma mulher na Presidência da
República.
Nos
últimos 80 anos o mundo assistiu a grande mudança na condição das
mulheres. De coadjuvantes da história, passaram a protagonizar seus
destinos e desejos. Mesmo assim, ainda vivemos
numa sociedade dividida em classes sociais, estruturada nas
desigualdades de gênero e raça, e assentada em uma cultura política
carregada de discriminações e preconceitos. Neste contexto,
compreendemos que a justa representação das mulheres na política ainda
depende de muita luta e de um sistema político que assegure a
participação democrática de todas e todos.
Schuma
Schumaher é feminista, educadora social, co-autora do Dicionário
Mulheres do Brasil e Mulheres Negras do Brasil e Coordenadora executiva
da Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh).
Rio de janeiro, 24 de fevereiro de 2012
Fonte:http://www.feminismo.org.br/livre/index.php?option=com_content&view=article&id=99992726:2012-80-anos-do-voto-feminino&catid=109:atencao
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