» RODRIGO DA CUNHA PEREIRA
Doutor em direito civil, presidente do Instituto
Brasileiro de Direito de Família
Publicação: 26/12/2011 02:00 no jornal Correio Braziliense
O fim do casamento não significa o fim da família, mas tão somente que o núcleo familiar se transformou em binuclear. Também não é o fim da felicidade. Quem tem filhos tem responsabilidade maior com a manutenção do casamento. Mas isso não significa que se deve manter um casamento a qualquer custo. O divórcio, por mais sofrido e indesejável que seja, pode significar ato de responsabilidade com a própria saúde. O cuidado com o casamento passa pela compreensão em distinguir desejo de necessidade.
Muitas vezes o divórcio não é desejo, pois se imaginava ficar casado para sempre. Mas torna-se necessidade em razão de determinadas circunstâncias, como quando há reiterado desrespeito ou até mesmo violência doméstica. Tal necessidade se impõe para preservar ou resgatar a própria dignidade, após tantas humilhações sofridas. Outras vezes, embora não haja necessidade de colocar fim ao casamento, há o desejo de reconstruir uma vida nova para voltar a ser feliz. E, se não foi possível reacender o desejo com a pessoa com quem se está casado ou vivendo em união estável, o jeito é assumir que o amor chega ao fim, criar coragem e cumprir o difícil ritual de passagem que é o divórcio.
As facilidades jurídicas para pôr fim ao casamento trazidas pela emenda constitucional, ao contrário do que se pensa, vieram ajudar a preservá-lo. Na medida em que o Estado deixa de tutelar os casais, estabelecendo prazos e culpa pelo fim da união, consequentemente imprime mais responsabilidade às pessoas pela manutenção dos vínculos amorosos. Foi a substituição do discurso de culpa, tão paralisante do sujeito, pelo da responsabilidade. E assim pode-se refletir melhor sobre desejo e necessidade da manutenção do casamento e até mesmo sobre o porquê de sua mantença ou não.
O amor conjugal tem prazo de validade? Afinal, o que mantém um casamento ou o que o faz acabar? Quando permitimos que nossas neuroses cotidianas se tornem maiores que o amor, elas certamente conduzirão ao divórcio. É aí que se começa a voltar o olhar para outra direção ou a interessar-se por outras pessoas. Em outras palavras, o amor acaba porque se começam a ver os defeitos do outro, ou começa-se a enxergar e a realçar os defeitos do outro porque o desejo já não está mais ali?
Apesar das facilitações para dissolver casamentos, apesar dos amores tão líquidos de nosso tempo, a conjugalidade continua possível e até melhor que antes. Mas dá trabalho! Vê-se na clínica do direito, agora sem tantas amarras jurídicas para se dissolver um casamento, que uma das possibilidades de o amor conjugal vencer as neuroses e o desencantamento é diluir o mal-estar, que geralmente advém de um mal-entendido, falando dele. Dizendo de outra maneira, em vez de engolir sapos, é melhor cortar o mal pela raiz, esclarecendo a causa do incômodo por meio do exercício da palavra, que possa ser dita e ouvida com alma, sem rancor e sem agressões. Não é fácil, mas é necessário para cuidar do amor. E nisso temos que aprender com as mulheres, que talvez saibam mais sobre o amor que os homens. De qualquer forma, e por mais elaborações verbais que tenhamos, é Platão que continua apontando o melhor caminho para tornar a conjugalidade possível: o amor, para permanecer o mesmo, deve mudar sempre.
Fonte:http://www.feminismo.org.br/livre/index.php?option=com_content&view=article&id=7112:o-amor-acaba&catid=99:opiniao-e-analise&Itemid=483